O Comitê da ONU está atualmente discutindo um tratado global sobre cibercrime em Nova York, que pode ter implicações significativas para a vigilância e os direitos fundamentais. A proposta em debate visa criar um pacto que, embora tenha como objetivo combater crimes cibernéticos, pode resultar em um aumento da vigilância estatal sem as devidas garantias de proteção aos direitos humanos.
O tratado em questão amplia a definição de cibercrimes e propõe medidas de investigação intrusivas, exigindo cooperação internacional para o acesso e compartilhamento de dados, mesmo em casos que não envolvem tecnologia da informação e comunicação (TICs). Essa abordagem levanta preocupações sobre a possibilidade de abusos de poder, especialmente em relação a grupos vulneráveis.
Embora a proposta mencione que as obrigações de vigilância devem respeitar compromissos internacionais de direitos humanos, muitos países que aderirem ao tratado podem não ter ratificado tratados essenciais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Além disso, não há exigência de autorização judicial prévia para a implementação de medidas de vigilância, o que pode facilitar abusos.
As autoridades poderiam manter as medidas de vigilância em segredo indefinidamente, conforme as leis de cada país. Isso levanta questões sobre a transparência e a responsabilidade no uso de tais poderes, que podem ser aplicados de maneira arbitrária.
Outro ponto crítico é que a proposta permite que autoridades exijam informações de indivíduos com conhecimento técnico, o que pode levar a situações em que engenheiros sejam forçados a revelar falhas de segurança ou chaves de criptografia. A interceptação de metadados, como dados de localização, também seria permitida em investigações de qualquer crime, o que amplia ainda mais o escopo da vigilância.
Historicamente, leis de cibercrime têm sido utilizadas para reprimir movimentos sociais, como a luta pela igualdade de gênero e os direitos LGBTQIA+. A vigilância e a punição de ativistas sob a justificativa de cibercrimes têm se tornado uma prática comum em diversos países, evidenciando a necessidade de um debate mais profundo sobre os limites da vigilância.
O discurso do presidente Lula na ONU, que ocorreu dez anos após a posição de Dilma Rousseff contra a vigilância global arbitrária, enfatizou a importância de um mundo justo e a necessidade de resistir ao aprofundamento das desigualdades. É fundamental que o Brasil, nas negociações do novo tratado, reforce que a vigilância indiscriminada não é compatível com os princípios de justiça e direitos humanos.
A posição do Brasil nas discussões sobre o pacto global de vigilância será crucial para determinar se o país se comprometerá com a proteção dos direitos fundamentais ou se permitirá a expansão de poderes de vigilância que podem ser utilizados de forma abusiva. A sociedade civil e os defensores dos direitos humanos devem permanecer vigilantes e engajados nesse debate para garantir que a proteção dos direitos individuais seja priorizada.