Em 2015, um estudo realizado pela Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, propôs que pacientes em tratamento para a ansiedade praticassem um ato de gentileza por dia. Após um mês de experimento, eles estavam com os níveis de dopamina e serotonina, conhecidos como “hormônios da felicidade”, mais elevados. Além disso, notou-se também a redução de isolamento social até mesmo naquelas pessoas que apresentavam um quadro de fobia social.
No mesmo sentido, uma pesquisa da Harvard Business School examinou questões relacionadas à felicidade em 136 países e também concluiu que gestos altruístas e gentis liberam dopamina, responsável por promover a euforia positiva. Por fim, um estudo sobre altruísmo, felicidade e saúde, publicado na revista médica trimestral “International Journal of Behavioral Medicine”, apontou que, após ajudar o outro, uma pessoa tende a se sentir mais confiante, forte e com mais energia. A gentileza seria, portanto, algo positivo não só para quem recebe, mas também para quem pratica.
Psicólogo do Sistema Único de Saúde (SUS) de Belo Horizonte e especialista em saúde mental, Arnor Trindade pondera que gentileza não pode ser uma atitude desassociada de outros sentimentos e posturas como empatia, altruísmo, tolerância e solidariedade. “É algo que está relacionado ao reconhecimento e respeito ao outro”, ele afirma.
Segundo Trindade, é necessário também identificar que pessoas perversas podem ter comportamentos gentis por mera polidez ou para se adequar a uma etiqueta social. Mas gentileza sem empatia é incompletude. “Mais do que fomentar os comportamentos gentis, acredito que devemos, desde cedo, desenvolver junto às crianças sentimentos de empatia, respeito mútuo, tolerância e valorização do ser humano”, pontua o psicólogo.
Segundo o doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação (ECI) da UFMG, Claudio Paixão, é fundamental distinguir a gentileza espontânea, que diz respeito ao carinho e ao cuidado com o próximo, da gentileza forçada nas pessoas, que acabam anulando desejos e vontades próprias para satisfazer o outro num jogo de submissão, não de troca.
“Muitas pessoas – muitas vezes mulheres em função do machismo, mas não só elas – na nossa sociedade são treinadas para serem submissas ao outro e passam a entender a gentileza como cessão de espaços aos desejos dos outros. Na realidade, são gentis não porque a situação demanda ou porque é necessário, mas porque foram levadas a isso”, considera o psicólogo.
Arnor Trindade sublinha que há pessoas que são demasiadamente gentis com o próximo, mas cuidam pouco de si mesmas: “Elas acabam entrando numa auto-obrigação de estar sempre ajudando, colaborando, sempre sorridentes, mas com um sofrimento interno intenso”.
Estudos científicos validam os aspectos positivos que geralmente estão associados a posturas consideradas gentis, solidárias e empáticas. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Miami, nos Estados Unidos, mostrou que pessoas gentis produzem mais oxitocina, hormônio dos vínculos emocionais e substância que age na diminuição dos níveis de cortisol, responsável pelo estresse, gatilho que pode desencadear diversos quadros clínico, como problemas no coração e de hipertensão.
“A prática da gentileza, da solidariedade, da empatia é extremamente benéfica, você está exercitando um ato afetivo e isso permite que surjam situações desarmadoras de conflitos. Ser gentil com alguém também é desarmar possíveis armaduras e estabelecer uma relação mais harmoniosa”, ressalta Claudio Paixão.
Para além dos benefícios físicos e mentais que a gentileza causa em quem a exercita, o hábito cordial e solidário também serve de inspiração para outras pessoas. No auge da pandemia, quando as vacinas eram só uma promessa a ser cumprida, vimos vizinhos se oferecendo para fazer ou buscar compras de pessoas idosas, a fim de evitar que elas se expusessem às condições menos seguras. “O ato da gentileza geralmente é seguido do reconhecimento do outro, e as pessoas se sentem mais próximas. Essas ações reforçam laços, criam relações, e o mundo deixa de ser tão ameaçador”, enfatiza o professor da UFMG.
Sobre a relação entre pandemia e gentileza, Arnor Trindade observa que o período trouxe, num primeiro momento, muitas reflexões sobre a coexistência em sociedade. Para alguns, isso ainda prevalece. “Por outro lado, com o tempo, ressurgiram muitos conflitos familiares quando a necessidade de convivência doméstica se impôs de forma mais intensa. Com a polarização política, infelizmente, a gentileza ficou escassa”, afirma o psicólogo especialista em saúde mental.
Nos atendimentos e na relação com os pacientes, Trindade diz que a questão é abordada frequentemente: “Com essa polarização, as pessoas têm sido muito afetadas pela forma agressiva e desrespeitosa como têm sido tratadas e, também, como reproduzem esse tratamento”.
Intolerância. Invertendo o cenário, quando falta gentileza e sobra intolerância, raiva, agressividade e outros comportamentos semelhantes, as relações sociais ficam prejudicadas. Quem vive numa bomba-relógio em que hábitos gentis e amáveis são escassos acaba se expondo a um estresse tal que os efeitos dessa bomba-relógio podem se traduzir em uma gastrite desencadeada por aspectos emocionais ou mesmo em uma úlcera.
“A própria pessoa começa a criar um limite na convivência, vai reduzindo a relação que ela tem com outras pessoas em termos de diversidade. Geralmente, os intolerantes reduzem a capacidade de estabelecer contatos com o que é diferente”, argumenta Claudio Paixão.
Confira algumas dicas para facilitar a prática da gentileza(*)
Tente se colocar no lugar do outro. Isso o ajuda a entender melhor as pessoas, seu modo de pensar e agir;
Aprenda a escutar. Ouvir é muito importante para solucionar qualquer desavença;
Pratique a arte da paciência. Evite julgamentos e ações precipitadas.
Peça desculpas: isso pode salvar suas relações sociais
Respeite as pessoas quando elas pensarem e agirem de modo diferente de você;
Seja solidário e companheiro. Demonstre interesse pelo outro;